segunda-feira, 13 de abril de 2009

Renovação Ilusória

Uma TV digital é melhor que uma analógica, mas sua funcionalidade não comporta muito mais que melhor qualidade de imagem (o que é bom, mas é um mimo). Já um microsystem com entrada pra mp4, bem, isso desvaloriza a música. Aumenta a capacidade, a torna mais compacta, mas diminui sua qualidade - essa crítica é feita desde as primeiras tecnologias pós-LP. Se alguém gosta muito de música, daria mais valor a uma vitrola usada de um mercado de pulgas que a um IPod de última geração. No entanto, poucos consumidores sabem disso.

Não pretendo comparar a evolução das mídias. Pretendo falar da involução dos consumidores. Antes de ler uma reportagem que falava sobre o formato mp4 (em uma revista de baixa circulação), eu sequer imaginava que tamanha tecnologia poderia representar uma queda de qualidade do produto - e me refiro apenas à sua funcionalidade, e não à resistência daquelas velhas geladeiras coloridas da casa da vovó que duram há mais de vinte anos. A propaganda desenvolve novos produtos de um modo que é irrefutável seu avanço, sua "revolução". Não é exatamente a renovação das tecnologias que alimenta essa sociedade de consumo devoradora do meio ambiente, mas uma renovação ilusória que é legitimada pela falta de informação ou senso crítico/prático dos consumidores.

Abstenho-me de comentar longamente o interesse das próprias empresas em produtos intermediários, em atrasar novas tecnologias para criar mais produtos que se tornarão brevemente obsoletos. Lembro de um burburinho que dizia que, quando foi lançado o Pentium 2, já havia tecnologia o suficiente para estarem lançando o Pentium 3. O consumidor voraz é estimulado por uma indústria cretina.

Penso qual seria a solução em uma sociedade assim, e não creio que seja a mesma adotada por Cuba e sua grande restrição a novas tecnologias: seria valoroso um consumidor que conseguisse esperar tanto tempo quanto possível para adquirir as últimas novidades. Quem conseguir sentir-se obsoleto por mais tempo sem prejudicar seu trabalho e suas fontes de informação, conciliar os fatores tempo e necessidade, ganha. Não deve, no entanto, tornar-se definitivamente obsoleto. Imagine se fôssemos assim: edições de música, de vídeo, ainda seriam feitas apenas em ilhas de edição! Não devemos desvalorizar essas novidades que tornaram a informação tão rápida, abrangente espacial e qualitativamente - e, a cada dia, mais popularizada. Obviamente refiro-me ao meu querido computador, à minha frente, no qual estou a escrever este artigo.

Um consumidor consciente não é o consumidor que repudia novidades e nem o consumidor que compra indiscriminadamente tudo o que é novo. Cabe a ele a consciência de que novas tecnologias podem ser traiçoeiras para a sociedade de consumo e essa ser traiçoeiríssima para o meio ambiente, mas a obsolescência, por sua vez, é traiçoeira para a democratização de tecnologias de informação. O consumismo é o apocalispse do meio ambiente, mas esse sentimento evocado por puristas, de negação da tecnologia, não é mais uma saída para qualquer sociedade consolidadamente democrática.

5 commentz:

Priscila Jordão disse...

Lu, dessa vez o formato ficou perfeito: definitivamente é um artigo, não tá meio a meio. E seu estilo tá bem bonito também.

Quanto à manter-se na obsolescência... isso tem limites cara, a propaganda cria necessidades e o mundo moderno também.

Acho que o consumidor tem que ser consciente, e dessa forma mensurar essas necessidades e procurar o que melhor atende o que ele precisa. Ok, a pessoa pode gostar de música mas não fazer questão da diferença entre mp4 e vitrola.

Quanto a mim, preciso dos dois, iPod e vitrola: um pra ouvir com qualidade em casa, outro na rua. E não acho exagero nem consumismo. Eu sou bem mais feliz depois que ganhei um iPod! O importante é realmente não querer comprar todos os modelos novos que saem, como vc disse.

E a indústria é mesmo cretina, e nesse caso o que cabe é avisar o cara que parcela uma TV de LCD em 24X que aquilo já é obsoleto no Japão e que mal vai fazer diferença pra exibir a novela e o BBB dele. Aí entra o papel dos jornalistas, em conscientizar. =)

Amanda Previdelli disse...

Gostei muito do texto, Lu!
E tenho um exemplo ótimo: os malditos pixels das câmeras digitais. O Yuri sabe melhor que eu, mas o fato é que o público em geral não sabe e o jornalista não pesquisa/conta que, muitas vezes, o aumento na quantidade de pixels diminui a qualidade de imagem. E o povo fica lançando máquinas com vinte mil pixels..e quem tem a de dezenove mil pixels se sente na necessidade de comprar.

Só uma coisa do seu texto, que é uma questão pessoal minha, em alguns momentos acho que ficou excessivamente rebuscado. Principalmente no final, quando você diz:
"Cabe a ele a consciência de que novas tecnologias podem ser traiçoeiras para a sociedade de consumo e essa ser traiçoeiríssima para o meio ambiente, mas a obsolescência, por sua vez, é traiçoeira para a democratização de tecnologias de informação."sei lá.., pro leitor comum a meistura de traiçoeiras, traiçoeiríssima, obsolescência (?!), traiçoeira e democratização pode ser bem complicada, acho. Só o uso da "obsolescência" já limita demais seu campo de leitores.

Mas é isso! Adorei textos nascendo de textos no blog! hehe

Luísa Costa disse...

eu nem sabia que essa palavra, obsolescência, existia! uhahauhauhauh tinha colocado 'obsoletismo' entre aspas, o yuri que falou q estava errado. ou seja: se outra pessoa tivesse escrito esse texto, eu tava fora do público tb u.u

Yuri Gonzaga disse...

Lu, eu não sei se o seu texto vai exatamente de encontro ao meu.
Pelo contrário, acho que ele concorda em vários pontos.

Por exemplo, eu nunca pensei que o avanço tecnológico dos bens de consumo chega a ser "pleno". Para isso existem os blogs de tecnologia e revistas especializadas. Os jornais diários que conheço (Folha e Estado) parecem não conseguir acompanhar o ritmo dos leitores interessados.
Leia, se puder, esse texto que eu escrevi para meu estágio, ano passado. Ele discorre praticamente sobre o mesmo assunto.

Mas eu não sei dizer se Cuba impede desenvolvimento tecnológico. Sei que há barreiras terríveis em relação a produtos, empresas e capital estrangeiros, e que isso causa atraso. Contudo, imagino que a pesquisa, em especial a de medicina, seja liberada e incentivada -- além de patrocinada.

Será que quem aguenta mais tempo sem comprar um computador novo, ganha? Acho que vai da necessidade, é bem o que vc explicou. Mas isso não impede ou atrapalha, de forma alguma, o modo de vida consumista. É só uma forma de aplicar o seu dinheiro de forma melhor distribuída.

Yuri Gonzaga disse...

Assista a esse vídeo, também. Explica o seu terceiro parágrafo muito bem. É imperdível! Ele se chama "História das coisas" (The history of stuff) e foi feito pela jornalista Annie Leonard. Ver vídeo em português.